Indenização milionária pode ser o “fio do novelo” de suposto esquema de desvio de dinheiro em Caraguatatuba

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Marcello Veríssimo

Irregularidades são descobertas como se fossem um novelo de lã. E tudo começa puxando a ponta de fio. No caso da Operação “Cais do Porto”, deflagrada na semana passada, que cumpriu 26 mandados de busca e apreensão em Caraguatatuba, quem puxou o fio foi o Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado), do Ministério Público.

A operação, que também teve apoio das Polícias Militar e Civil, fez uma varredura na prefeitura do município, Câmara de Vereadores, escritórios e na casa de seis servidores públicos que ocupam cargos comissionados. Seis servidores da prefeitura, que estão no alvo das investigações, foram afastados por 90 dias e tiveram bens bloqueados.

Durante a operação, os agentes apreenderam documentos e computadores. A desconfiança do Ministério Público surgiu depois que uma indenização de R$ 10,7 milhões foi paga pela Prefeitura de Caraguatatuba a uma empresa responsável pela área onde foi construído o Centro de Eventos no bairro Porto Novo, na região sul do município.

A investigação do Ministério Público apura desapropriações ilegais feitas pela administração do prefeito Aguilar Junior (MDB). São pelo menos 10 processos de desapropriações e indenizações amigáveis em imóveis da cidade.

Repercussão

Durante a repercussão do caso, chegou a ser veiculado pela prefeitura em nota a imprensa, que essas irregularidades em desapropriações que começaram em 2014, época em que o prefeito da cidade era o político Antônio Carlos da Silva. Ele nega. “Essa área do Porto Novo era do governo do estado, e o governo do estado implantou um terminal turístico nessa área para receber turistas e ônibus”, disse o ex-prefeito de Caraguatatuba.

Antônio Carlos disse ainda que, quando assumiu a prefeitura da cidade na época, passou a área para prefeitura, área que, segundo ele, é pública.

“E fizemos o Centro de Eventos que está lá, é uma área do governo do estado. Os sindicatos também estão lá [na região das colônias do Porto Novo]. Agora aparecer gente e dizer que era dono, isso é um absurdo. Em 2014, eu inaugurei a praça que foi construída em uma área pública”.

Antônio Carlos disse que desconhece o pagamento das indenizações milionárias e que, em sua posição como prefeito da época, tem que dar uma resposta à opinião pública. “Aquela área era do governo do Estado que passou para a prefeitura de Caraguá”.

O ex-prefeito de Caraguatatuba, Antônio Carlos da Silva, conversou com a reportagem do JDL na tarde desta terça-feira (21). ACS disse que, em 2016, seu último ano de mandato, a cidade de Caraguatatuba era uma “empresa pública e tinha um poder de investimento de 19% do orçamento”. “O que significa isso: você pega toda a receita, tira as despesas e sobrava 19% para investimentos o que dava aproximadamente R$90 milhões por ano”, disse Antônio Carlos, sobre o que ele chamou de poder de investimento próprio dessa empresa pública.

De acordo com ele, em 2016, o município recebeu mais de R$ 13 milhões de juros bancários, o que em média seria mais de R$1 milhão por mês aplicados. “Eu deixei a cidade para o prefeito atual com R$63 milhões em caixa, sendo que com R$ 35 milhões terminava todas as obras que estávamos fazendo e R$28 milhões para eles gastarem entre fonte 1, 2 e 5”. “Essa era a realidade de Caraguatatuba, uma empresa pública que não tinha essa crise”, disse o ex-prefeito, que disse ainda que na época o orçamento do município girava em torno de R$560 milhões, bem abaixo do orçamento atual que neste ano é de R$1,4 bilhão.

Lamentável

O ex-prefeito disse que a atual situação de crise que a cidade enfrenta é lamentável.

“Volto a dizer que toda aquela área do Porto Novo era do governo do estado, que passou para os sindicatos, que construíram as colônias. Quando eu entrei no governo, passei essa área para prefeitura, nosso objetivo era tirar os grandes eventos do centro que congestionam toda a avenida da Praia. A Praça de Eventos do centro ficou destinada para eventos menores, levamos os grandes eventos para o Porto Novo para também levar para lá o desenvolvimento”, afirmou o ex-prefeito.

Susto

Antônio Carlos disse que “levou um susto” quando soube da notícia que a prefeitura teria indenizado duas pessoas que se diziam proprietários da área. “Quem tinha que pagar para eles então era o governo do Estado, pois foi quem passou a área para a prefeitura”.

Investigação

De acordo com a Justiça, além da investigação do MP, a propriedade da área antes da desapropriação é alvo de uma disputa judicial. A Sociedade Melhoramentos de Caraguatatuba move ação contra a prefeitura questionando o pagamento da indenização para a Crisppi Administração de Bens Próprios Eireli e alega ser a verdadeira dona da área.

A empresa apresentou apenas um contrato de compra e venda, em que teria adquirido a área dois anos antes por R$900 mil. Não foi entregue uma escritura ou uma confirmação de que a compra do contrato ocorreu. “Ele comprou esse terreno por R$900 mil há dois anos e a prefeitura pagou R$10,7 milhões e o homem que pagou os R$900 mil não recebeu”, disse o ex-prefeito.

Em julho de 2020, a procuradoria do município se manifestou contrária ao pagamento à empresa porque, na verdade, a área pertencia ao Estado.

O procurador ainda apontou que o valor era exorbitante diante do que valia no mercado, baseado no documento que a própria Crisppi entregou.

O processo voltou a ter andamento oito meses depois, com o Secretário Adjunto de Assuntos Jurídicos, Allan Tripac, que se se manifestou favorável ao pagamento.

Após autorização do prefeito Aguilar Junior, o pagamento de R$ 10,7 milhões foi feito em 9 de dezembro de 2021.

Procurador

O procurador Cassiano Ricardo, que assina o documento no processo, afirmou que solicitou abertura de procedimento administrativo “para apurar a regularidade do pagamento da indenização”.

A prefeitura abriu uma sindicância no dia 22 de dezembro de 2022, mesma data da manifestação do procurador. O procedimento ainda está em trâmite.

A Prefeitura informou que não ignorou o parecer da Procuradoria Jurídica, apenas utilizou como parâmetro uma decisão judicial transitada em julgado sobre a mesma área. Todos os pagamentos efetuados pela Prefeitura em processos de indenização seguem valor de mercado e são avaliados por uma comissão de servidores e de corretores de imóveis da cidade. Inclusive, neste caso específico, foi utilizado o valor da avaliação efetuada pelo perito judicial, concedendo-se desconto de 10% sobre o valor total.

A empresa Crisppi Administração de Bens Próprios Eireli, que é citada no caso, não designou um porta-voz para falar sobre o assunto.

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