Marcello Veríssimo
Depressão, ansiedade, transtornos mentais. Pode parecer inconcebível para algumas pessoas que rolar o feed do Instagram, por exemplo, possa despertar gatilhos mentais que levam uma pessoa a ter pensamentos suicidas, seja qual for o momento que esteja passando. Não é segredo para ninguém que a internet, mas principalmente as redes sociais e os aplicativos de relacionamento podem ser extremamente tóxicos para a saúde mental.
Foi o que aconteceu recentemente em São Sebastião quando, segundo especulações que circulam pela cidade, um jovem pulou de um píer com a mochila cheia de pedras e morreu após se sentir mal com o seu uso da internet.
Para alertar sobre essa crise desencadeada pelo uso das redes sociais e uma exposição maciça a conteúdos tóxicos de beleza em que, principalmente meninas e jovens mulheres enfrentam, uma grande marca de produtos de beleza, lançou uma campanha para tentar reverter essa inversão de valores na web.
Trata-se do projeto Dove Pela Auto Estima, que é focado em chegar na base do problema e mostrar a dimensão dos danos a à saúde mental. De acordo com a pesquisa, feita pela marca, a cada 100 jovens com idade entre 10 e 17 anos, 97 dizem que foram expostos a conteúdos tóxicos de beleza nas mídias sociais e 74% a conteúdos que incentivam a perda de peso/transformação corporal.
Boa parte deste conteúdo, segundo os psicólogos, é muito disseminado pelos influenciadores digitais que vivem um padrão inalcançável para a maioria das pessoas. Mas, influenciadoras com centenas de milhares de seguidores no Instagram parecem estar conscientes do seu trabalho e já tentam mudar o conteúdo que produzem, como é o caso da ex-musa fitness Gabriela Pugliese, que está voltada a um conteúdo mais maduro atualmente.
Nomes importantes e de credibilidade no mercado com a jornalista Astrid Fontenelle, que abriu espaço no seu stories para falar sobre o assunto, também reforçam a importância da campanha de Dove e pedem para os seguidores assinarem uma petição para pressionar a regulamentação de conteúdo nas redes sociais.
Reflexos
A pesquisa mostrou ainda que 65% dos pais sentem que as plataformas de mídia social não protegem os jovens de danos à sua saúde mental.
Psicólogos especializados em saúde mental, também responderam a pesquisa. 96% dizem estar preocupados com o aumento de autoflagelação e suicídio entre os jovens devido à exposição às redes sociais. 94% com o aumento da ansiedade e da depressão entre eles;
88% afirmam que as redes sociais têm um impacto negativo na saúde mental dos jovens, enquanto 69% acreditam que o conteúdo que mostra corpos perfeitos e irrealistas pode levar a consequências físicas, como distúrbios alimentares, autoflagelação, entre outros.
Uma rápida stalkeada em perfis das redes sociais mostra que a pesquisa tem fundamento. Os perfis de galãs que se assumem gays, por exemplo, e são considerados extremamente bonitos são repletos de comentários de outros homens demonstrando inferioridade perante a eles, entre tantos outros modelos de toxicidade. “As redes sociais por si só são uma grande causa de ansiedade, depressão, dificuldade de relacionamento. Portanto, não há dúvida que ela alimenta o sofrimento psicológico de todo mundo e dos jovens em especial”, disse o filósofo Luiz Felipe Pondé.
O jovem Mateus Maia, 22, de Caraguatatuba disse que, para ele, as redes sociais não trazem nada de bom. “Vejo como um passatempo, uma revista pra gente ler enquanto vai ao banheiro. O que antes era papel hoje está no celular”, disse o jovem que ainda avalia: “A evolução dos smartphones é o x da questão. E é um caminho sem volta”.
Para a jovem T.S, 28, que não quis se identificar, o Instagram dispara uma série de gatilhos e inseguranças por saber que a realidade das pessoas muitas vezes não é a dela. “Sempre que posso e sinto que estou ansiosa tento ficar desconectada o maior tempo possível”, disse ela, que admite gostar dos elogios que recebe e dos likes em suas fotos e vídeos.
A marca informou que entende que não vai conseguir mudar os padrões de beleza que estão enraizados na sociedade, se a sociedade não mudar sua estrutura. A Beauty & Wellbeing do Brasil, que fabrica a linha Dove, pretende estimular o compromisso para que influenciadores e as marcas produzam conteúdo com mais responsabilidade. De acordo com a gigante de cosméticos, além disso, também pretende promover o diálogo com o poder público em busca de leis e iniciativas que regulamentam práticas online para um uso mais saudável e consciente da internet.
Educação
Para o mentor de qualidade de vida de São Sebastião, Giobert Gonçalves, as redes sociais são uma realidade que não tem mais como fugir delas. “Esses conceitos de beleza sempre existiram na humanidade. O problema das pessoas que se afetam com isso, as ditas fora dos padrões, é que elas são fragilizadas, então, qualquer coisa de fora afeta aqui dentro”. “Não adianta apenas proibir ou regulamentar, tem que se investir em uma educação emocional, como essa da Dove, super valida”, disse ele.
Giobert disse que, por mais que as redes sociais sejam consideradas tóxicas, elas também podem ajudar. “No caso dos galãs homens cisgêneros que são bonitos, quantos mais deles se assumirem mostrando que ser gay não é só aquela caricatura que todos conhecem, mais pessoas que estão perdidas, em cidades pequenas começam a descobrir pela internet que existem pessoas iguais a ela e que não tem nada de errado”.
Pais & Filhos
A psicóloga e sexóloga, Lilian de Paula, que mora em Caraguatatuba, reforça o raciocínio de Giobert. “Os padrões sempre existiram e, claro, que as mídias sociais possuem uma influência muito forte, mas eles sempre existiram: seja a mais gordinha, a mais magrinha, ou a mais gostosona, sempre existiu um padrão de beleza, principalmente feminino que é exigido”, explica Lilian. “A grande questão neste assunto é trabalhar a saúde mental e emocional, mãe vou além: isso vem da base, do que é ensinado, dos limites que são dados pelos pais ou cuidadores, no caso das crianças e adolescentes, que começam cada vez mais cedo a mexer nos smartphones”, completa a sexóloga.
De acordo com a especialista, como o acesso a internet e as redes sociais são um caminho sem volta é extremamente importante que os pais conversem com seus filhos. “Não somente a questão do conteúdo das redes, mas sim como e o quanto essa criança ou adolescente é amado, elogiado e tem esse acolhimento para suprir o seu lado emocional”. “O que acontece é que essa fragilidade está em cada pessoa, em cada um de nós. A mídia sempre vai mostrar o padrão, de alguma maneira, não temos como fugir disso”.
Para Lilian, atualmente a dependência do uso da internet e dos dispositivos eletrônicos é a base de todos esses distúrbios e requer providências. “E essa primeira responsabilidade é dos pais, não tem como delegar”, disse ela.
Para se ter uma ideia, segundo pesquisa
TIC Kids Online Brasil, 22,3 milhões dos brasileiros com idades entre nove e 17 anos são usuários de internet no país. São 93% das pessoas nessa faixa etária, um índice maior do que a média da população, que é de 85%.