Marcello Veríssimo

Barulho, gritos, importunação do silêncio durante a madrugada. Essas são apenas algumas das razões que levaram moradores da região central de São Sebastião, próximo da Praça da Matriz, a pedir ajuda à reportagem do JDL na tarde deste sábado (3) para tornar pública a situação.

Uma situação antiga, que todo mundo sabe, todo mundo vê, mas que parece não ter solução. A praça, que fica no coração da região central do município, ao lado da igreja Matriz e da Câmara Municipal é o ponto onde se concentram a maioria dos moradores que vivem em situação de rua pela cidade.

Junto aos cachorros, eles dormem no coreto e se aglomeram pelos bancos. “Sei que não são perigosos, mas a gente nunca sabe, quando chegamos em casa a noite o que pode acontecer. O pior é de madrugada, muitas vezes discutem alto e nem a Polícia Militar tem o que fazer”, disse uma moradora da região, que pediu para não ser identificada. “Só procurei o jornal pois essa situação se tornou insustentável”, diz a moradora, que relata ainda episódios pontuais de discussões durante a madrugada.

A reportagem esteve na praça e constatou a presença de um grupo de andarilhos, mas alheios à conversa resistiram a abordagem do JDL. Hoje em menor número, a presença dos moradores em situação de rua não é tão maciça quanto nos primeiros meses do ano, mas ainda é constante, em pontos do centro de São Sebastião, como na avenida Guarda Mor Lobo Viana, no horário comercial em frente a um supermercado, na porta da padaria e em frente de lojas e agências bancárias.

Também há relatos da presença de andarilhos na Concha Acústica e na Praça do Artesão, na Rua da Praia, em dias sem movimento comercial. Na saída da igreja, seja durante as missas dominicais ou durante a semana também é possível vê-los abordando os fiéis e pedindo dinheiro.

Eles precisam ser vistos

A Fraternidade Povo da Rua, que atua há mais de duas décadas com mais necessitados em São Sebastião, emitiu uma nota ao JDL. “Infelizmente o número de moradores de rua cresceu significativamente em nosso município. As pessoas têm que entender que não é um problema só de São Sebastião, mas sim de todo o país”, diz a nota da entidade que acolhe essas pessoas para momentos de oração e reflexão, serve refeição e ajuda para reinserção familiar e encaminhamento para locais especializados no tratamento da dependência química.

A fraternidade vive única e exclusivamente de doações, o trabalho desenvolvido por eles já foi mostrado pelo Jornal do Litoral no dia 16 de junho. De acordo com a Fraternidade Povo da Rua, o trabalho desenvolvido pela Prefeitura de São Sebastião, por meio do CREAS (Centro de Referência Especializado de Assistência Social), também é essencial para auxiliar no tratamento dessas pessoas.

O CREAS é uma unidade pública da política de Assistência Social que busca oferecer apoio e orientação às famílias e indivíduos em situação de risco pessoal e/ou social por violação de direitos. Em São Sebastião, a unidade oferece a possibilidade de um banho e café da manhã, mas por ser fim de semana o JDL não encontrou nenhum representante da unidade para comentar o assunto.

Para o padre Alessandro Coelho, pároco do município, trata-se de uma realidade que bate à porta da sociedade todos os dias. “Nós precisamos humanizar essa relação, eles precisam ser vistos, eles precisam ser enxergados para pensarmos no que pode ser feito”, diz o padre Alessandro. “É um problema social, fruto de toda uma economia que é excludente”, ele completa.

O padre se refere a crescente desigualdade social no Brasil. De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), as estimativas do número total de pessoas em situação de rua no país é de aproximadamente 221.869, segundo pesquisa publicada em março de 2020. “O crescimento da desigualdade social gera toda essa situação. Não dá para dizer que seja fácil, que todo o trabalho feito incentiva que eles permaneçam na rua. Não acredito nesta teoria, precisamos olhar mais de perto, o ser humano é imprevisível”, diz o padre Alessandro.

De acordo com o pároco de São Sebastião, tratam-se de vidas e são vários os motivos que levam alguém a morar na rua, como por exemplo o abuso de álcool e de outras substâncias. “A generalização é sempre perigosa, precisamos oferecer saídas. Tentamos aliviar o sofrimento destas pessoas, oferecemos um jantar às segundas, quartas e sextas, além de roupas e cobertores”. “Ainda conseguimos encaminhar algumas destas pessoas de volta às suas cidades de origem, arrumar um emprego, alguns querem sair da rua, outros não, pois a rua também é um vício. É uma abordagem que precisa ser humanizada e oferecer caminhos”.

Por meio da ação da comunidade católica, alguns moradores de rua ainda foram para a Fazenda Esperança, que trata da dependência química. “Estamos lidando com seres humanos, que tem suas individualidades, não estamos lidando com objetos que mudamos de lugar. Eles precisam ser vistos e acharmos uma saída que apresente caminhos. A cidade vem se esforçando para fazer isso e nós como comunidade religiosa também”, diz o padre Alessandro, acrescentando que a motivação dos voluntários que se unem e essa luta é religiosa. “A maneira que Jesus tratava os pobres é a maneira que devemos tratar”.

Aporofobia

Assim como o padre Júlio Lancellotti, conhecido por seu trabalho com a população de rua na capital paulista, o pároco de São Sebastião diz que a sociedade precisa rever suas concepções com relação aos moradores de rua. “Padre Júlio Lancellotti denuncia a Aporofobia, e isso é real. As pessoas tem uma fobia, uma aversão, um medo em relação aos pobres”.

A Aporofobia por definição é o repúdio, aversão ou desprezo pelos pobres ou desfavorecidos caracterizada pela hostilidade com pessoas em situação de pobreza ou miséria. “Eles nos confrontam, eles denunciam a desigualdade social, que precisamos ajudar, partilhar o que eu tenho, é uma reflexão profunda, não podemos ficar só na superficialidade, precisamos de uma sinergia para enxergar essas pessoas e amenizar o seu sofrimento dentro da perspectiva da fé”, analisa o padre Alessandro Coelho.

Omissão

Para a jornalista Raquel Salgado, que auxilia no trabalho com os moradores de rua, o Brasil padece de omissão aos mais necessitados, que vivem nas ruas. “É uma tristeza, uma crueldade sob vários aspectos. Que não seja por compaixão, seja por respeito pela comunidade que paga os impostos”, diz ela. “É óbvio que os moradores de rua assustam a população. Ninguém quer ser abordado por alguém pedindo dinheiro, pedindo comida, fazendo bagunça na praça do coreto ou embaixo da sua janela. A sociedade tem que olhar para eles”, alerta a jornalista, que reconhece que o mesmo tipo de reclamação recebido pelo JDL também está acontecendo em outras cidades do país. “É um mito cruel dizer que todas essas pessoas preferem ficar na rua ao invés de trabalhar, não é verdade. Nenhum ser humano quer ficar na sarjeta por medo do trabalho”.

By srneto

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