Marcello Veríssimo
Uma sucessão de erros que gerou uma dor que ainda não foi curada. Assim, a moradora de São Sebastião, Gabriela Bueno, que atualmente se divide entre o litoral norte e o interior paulista, relembra o caso do fechamento do canil Gabriela Bueno, no bairro Arrastão, que era proprietária em dezembro de 2018.
De lá pra cá, Gabriela diz que nunca teve a chance de ser ouvida, contar o seu lado da história para se defender. Ela diz que foi julgada e condenada pela opinião pública e pela imprensa. Na época, a ativista dos direitos dos animais Luisa Mell veio até São Sebastião fazendo com que o caso ganhasse repercussão nacional.
Mas até agora, segundo Gabriela Bueno, nada foi provado sobre os supostos maus tratos a que os cachorros possam ter sido submetidos e o caso sequer foi julgado pela Justiça.
À época, a investigação começou após uma denúncia de maus tratos, até que no dia 19 de dezembro daquele ano a Polícia Civil, com mandado de busca, fechou o canil que estava com 143 cães de raças como spitz alemão, buldogue francês e pastor. “A Polícia Civil numa ação “exclusiva” não permitiu que a PM acompanhasse o cumprimento do mandado, pois meu ex-marido era coronel da reserva e como não conseguiram comprovar nem indícios de maus tratos fizeram uma denÚncia de tráfico para o endereço”, recorda Gabriela Bueno, que não estava na casa no dia da operação.
A imprensa divulgou que os animais foram encontrados em um ambiente insalubre e veterinários que atuaram no resgate teriam atestado que parte dos animais estava doente. Gabriela nega. “Eu tinha um canil considerado um dos melhores da América Latina. A veterinária M. G. quis fazer sociedade e pegar uns cães machos para ela. Essa veterinária entrou em contato com a Luísa Mell para ela ficar com as fêmeas, castrar e doar”. “Eu sempre fiz tudo de melhor para os cães, o que eles precisavam a gente sempre proveu”, disse Gabriela, que mostrou vídeos, fotos e documentos para a reportagem que comprovam os desmandos na operação.
Gabriela disse que não cedeu às ofertas da veterinária M. que, posteriormente, teria se envolvido com a ativista Luisa Mell para retirar os cães do canil, que chegou a ter espécies de U$ 53 mil. “A Luísa tentou durante oito meses um mandado de busca para retirar os cães do canil por denúncia de maus tratos e não conseguiu”. De acordo com Gabriela Bueno, com isso, Luísa teria “articulado” formas com a polícia de conseguir entrar na casa e retirar os cães.
“Foi uma armação. O próprio delegado da época fez a denúncia do tráfico de drogas e isso está no processo”, afirma Gabriela. “A juíza tinha proibido o acesso da imprensa e a primeira coisa foi a Luísa entrar, ajustar os cenários, que isso está provado que ela faz, e começou a filmar”, completa Bueno.
De fato, em despacho da Justiça, uma juíza do caso solicitou a mudança do inquérito policial de “tráfico de drogas e condutas afins” para “crimes contra a fauna”, tendo em vista que era o assunto principal da investigação.
O delegado da época era Edson Júnior, que atuava na Dig/Dise em São Sebastião. A reportagem do JDL entrou em contato com ele, mas o delegado disse que só falaria mediante solicitação feita pela reportagem à assessoria de imprensa da Secretaria de Segurança Pública do Estado. “O processo está disponível no sistema do judiciário”, ele disse.
O relato da dona do canil não condiz com as notícias que foram divulgadas pela imprensa. Em uma rápida pesquisa, a reportagem encontrou muitas publicações na época dizendo que a polícia descobriu que Gabriela tinha licença para operar o canil, mas em outro endereço e não naquele onde tudo aconteceu. “Foi uma operação montada, o mandado de busca era para tráfico de drogas. Agora como em uma operação com mandado para tráfico entra uma apresentadora para fazer vídeo. Ela [a Luisa Mell] soltou na mídia que judiavam dos cães, mas o meu canil era regular com CNPJ, inscrição estadual, estava em processo de adequação”. “Eu tinha duas MEIs que me legalizava para o comércio e criação de animais de estimação”, relembra Gabriela.
De acordo com notícias da época, os animais foram levados para o Instituto Luisa Mell, que fica em Ribeirão Pires, no interior de São Paulo. “Os cães foram levados sem fazer o exame, sem nenhum tipo de verificação. Foram 112 cães dentro de uma Fiat Doblô e o restante em um Citroen C3”, disse Gabriela Bueno. “Somente um lado da história foi contado, nenhum repórter nunca me ouviu. A verdade é que desde o início saíram várias fakes news do que a Luisa Mell viu aqui”.
Uma dessas supostas fake news diz respeito a quantidade de ração retirada do canil de Gabriela. De acordo com ela, foi divulgado que tinham sido retirados cerca de 500 kg, mas logo depois a então apresentadora apareceu pedindo comida para os animais. Até agora, foram comprovadas 17 discrepâncias no laudo produzido pelo Instituto Luisa Mell, uma delas diz que foram encontrados cães machos que estavam castrados por colapso de vulva. “Mas macho não tem vulva”, destaca Gabriela, que pretende levar denúncia dos veterinários ao Conselho Regional de Medicina Veterinária.
Incongruências
A veterinária, Luciana Ferreira, responsável pelo parecer técnico dos contra laudos do Instituto Luisa Mell, explica que os laudos emitidos pela equipe da veterinária Marina de Siqueira Passadori foram encontradas diversas incongruências, como diagnósticos errados imputados aos cães que não poderiam acontecer, além de atestados de óbito de animais que, posteriormente, foram encontrados vivos e adotados. “O Instituto não fez o laudo dentro da conformidade do Conselho Regional de Medicina Veterinária, não apresentou nenhum exame oficial de laboratório e poucos elementos sobre o óbito dos animais”. “Quando eles retiraram os animais, não identificaram individualmente cada animal como é necessário para saber como ela estava ainda no local de origem”, explica Luciana, que acrescentou: “Esses animais foram submetidos a um transporte bastante cruel por conta de serem transportados em um carro bastante abafado e em superlotação”.
Além disso, a veterinária Luciana Ferreira, que é formada pela USP (Universidade de São Paulo) considera que o laudo do Instituto Luisa Mell é “bastante sensacionalista”. “Achamos a mesma foto, cortada de formas diferentes, então a mesma foto, do mesmo animal, que foi colocada em mais de um cão que foi colocada com o corte da foto diferente”, explica a veterinária.
Ou seja, de acordo com Luciana, os laudos mostram que as fotos foram manipuladas com fundo diferentes e posicionamentos também. “São laudos que, num primeiro momento, comovem as pessoas e fazem com que ninguém queira ler o resto”. “Esses erros continuam tanto no primeiro laudo quanto na prestação de contas, que eles poderiam corrigir. O primeiro laudo é o de chegada no instituto, quando os animais chegam eles fazem um primeiro laudo, meses depois eles repetem os mesmos erros”, disse a veterinária.
Borzoi
Outra discrepância apontada pela veterinária aconteceu na retirada da cadela Borzoi, que estava saudável e chegou ao Instituto Luisa Mell com o docinho ferido e pelagem danificada. “Quando começam pedir a cadela Borzoi de volta, a Luísa fala nas redes sociais que a cadela vivia em um quarto escuro e sem janelas, sendo que na casa nem existia quarto sem janelas e a cadela sai limpa e serena pelas mãos da mesma veterinária que a retira ela da casa, que vai dar o laudo de óbito dela, assim como de outros animais. É complicado você emitir um atestado de óbito de um animal que não morreu”.
Aos poucos
Gabriela Buenos, aos poucos, vem construindo sua defesa e provando seu amor pelos cães. Ela teve a oportunidade de contar a sua história em alguns canais no Youtube e hoje mantém contas no Instagram, no Twitter e no Tiktok sobre o assunto. “A Luísa era uma uma pessoa blindada midiaticamente e tudo que ela falava os haters dela também iam atormentar a pessoa, isso acabou com a minha vida”.
A reportagem do JDL tentou contato com Luisa Mell por meio do Instagram, mas não obteve resposta. O espaço segue aberto para ela e será atualizado assim que Luisa se manifestar.