Justiça suspende licitação de material escolar em Caraguatatuba por suspeita de superfaturamento de R$ 8 milhões

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Há aproximadamente 45 dias de se encerrar o ano letivo de 2023, a prefeitura de Caraguatatuba ainda não conseguiu concluir o processo licitatório para compra dos kits escolares, e no início deste mês de outubro, um novo capítulo da novela com roteiro de filme de suspense, ganhou notoriedade com decisão liminar da justiça do município suspendendo o certame licitatório em atendimento a pedido da empresa primeiramente declarada vencedora e que, em decisão questionada, foi desclassificada e preterida por outra empresa que ficou em quarto lugar com proposta R$ 8,25 milhões maior. Vale lembrar que a modalidade de licitação é Registro de Preços, onde o menor valor é considerado melhor proposta, com o atendimento dos itens do edital. Exatamente esta questão de atendimento do Termo de Referência e ítens do edital, que foi utilizada pela comissão de licitação para desclassificar a empresa vencedora, que apresentou melhor preço.

De acordo com os autos do processo que a redação do Jornal do Litoral teve acesso (veja íntegra no final da matéria), o imbróglio se deve a alguns ítens como tamanho da régua e certificado do Inmetro (Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia), que segundo a empresa desclassificada, na data que apresentou as propostas estava correto, mas a comissão se baseou na data que fez a verificação.

A empresa Brink Mobil também destaca em seu pedido de liminar, outro fato que causa estranheza, já que a empresa considerada vencedora pela comissão de licitação da prefeitura, tem preço superior a outras duas empresas. De acordo com o documento protocolado na justiça, a Brink Mobil apresentou preço de R$ 14.339,040,00; a empresa Calux Comercial Ltda. (segunda colocada) apresentou preço de R$ 17.899.900,00; a empresa Orla Distribuidora de Produtos Eireli (terceira colocada) apresentou preço de R$ 17.900.000,00, e a empresa MRL Comercial Ltda, quarta colocada e declarada vencedora pela comissão da prefeitura, apresentou preço de R$ 22.589.904,00 ou seja, R$ 8.250.864,00 a mais que a da Brink Mobil, valor milionário muito acima da proposta vencedora do certame. Veja tabela abaixo extraída do processo:

“Demonstrando-se com a devida vênia, um caminhar na contramão da obtenção da proposta mais vantajosa, e uma forte vontade de desembolsar INDEVIDAMENTE, MAIS DE 8 MILHÕES DE REAIS, convocando a empresa com proposta muito mais alta, através do SORRATEIRO SUBTERFÚGIO de desclassificação desmotivada da Impetrante BRINK MOBIL“, diz trecho do pedido de liminar da Brink Mobil, acatado pela justiça.

Liminar

Em seu despacho concedendo a liminar para a empresa Brink Mobil e suspendendo o processo licitatório até julgamento do mérito da ação, o juiz Walter de Oliveira Júnior, analisando os questionamentos da impetrante, aponta que a empresa MRL Comercial Ltda. apresentou preço muito mais alto que a Brink Mobil, e que a decisão da prefeitura ainda atendeu o pedido da MRL Comercial tendo outras duas empresas com preços menores que os que apresentou, tendo a decisão da administração do prefeito Aguilar Júnior desclassificado as mesmas por descumprimento do edital, e outros.

O juiz destaca também que, mesmo após apresentação de contrarrazões ao recurso da Brink Mobil no setor de licitação, “com os devidos esclarecimentos e comprovações, sem qualquer diligência pelo sr. pregoeiro, o recurso foi acolhido com a consequente desclassificação da impetrante e, mesmo interposto recurso hierárquico administrativo, foi indeferido pelo sr. prefeito municipal, mediante decisão carente de devida fundamentação e de enfrentamento das ilegalidades apontadas, mantendo a ilegal desclassificação proposta altamente vantajosa da impetrante. Ainda, apontou que, após a desclassificação da impetrante, foram convocadas consecutivamente as próximas classificadas, mas também foram desclassificadas, tendo sido convocada a empresa MRL Comercial Ltda, empresa que interpôs o recurso supostamente ilegal e acatado que ensejou a desclassificação da impetrante e cuja proposta supera 08 (oito) milhões de reais em relação à proposta da impetrante . Requereu, liminarmente, a suspensão do processo licitatório”.

Ainda em sua decisão, o juiz especifica que para concessão da tutela de urgência, é imprescindível a existência de elementos que evidenciem o direito e o perigo de dano ou risco ao resulto útil do processo.

“O perigo da demora é inerente ao objeto e decorre do risco de contratação pública eivada de nulidade, com desperdício de recursos públicos e prejuízo aos alunos da rede municipal de educação, que por mais tempo poderão ficar sem os produtos a serem adquiridos. Ainda, anote-se que a medida é reversível. Ante o exposto, DEFIRO a liminar, a fim de determinar a SUSPENSÃO do processo licitatório (Pregão Eletrônico nº 15/2023, Edital nº 35/2023), até o julgamento final da presente demanda”, conclui o juiz.

Prefeitura

Em entrevista sobre esse assunto, à TV Vanguarda, o secretário adjunto de Assuntos Jurídicos da Prefeitura de Caraguatatuba, Allan Tripac, disse que “provavelmente” a empresa vencedora não conseguiria cumprir os ítens do edital e entregar os materiais com a qualidade exigida.

“Provavelmente a qualidade dos produtos ofertados, talvez por isso não tenham sido aprovados pela comissão da Educação. Abaixou o valor e perdeu em qualidade, e ela não deve ter sido aprovada provavelmente por isso”, disse Allan Tripac.

Para o secretário adjunto Allan Tripac, a qualidade do material ofertado pela MRL Comercial Ltda justifica o valor. Questionado pela reportagem da TV Vanguarda se R$ 8 milhões não seria um valor elevado de diferença dos preços, ele disse que “Sim, mas acredito que as crianças do município merecem a qualidade de um produto para seguir no ano de letivo, de boa qualidade para poder desempenhar as atividades letivas”.

A mãe de aluna da Rede Municipal de Ensino, Juliana Alexandrino, que é motorista, contou que no ano passado o material já chegou no meio do ano e os pais tiveram que ser virar para conseguir material para os filhos estudarem, e neste ano de 2023, até agora nada foi entregue ainda.

“No ano passado o material chegou no meio do ano, mas a gente já tinha comprado, tem que comprar né, tem que se virar, e esse ano não veio. Eu gastei e continuo gastando porque o material acaba, e não é só um materialzinho no começo do ano, é material o ano inteiro”, reclamou Juliana.

Paradoxo

No dia 1º de agosto deste ano, a prefeitura de Caraguatatuba publicou no Diário Oficial do Município um decreto do prefeito Aguilar Júnior, alegando crise financeira, determinando a adoção de várias medidas de contenção de despesas, devido a queda na arrecadação do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), e o alto valor da dívida ativa do município, segundo a prefeitura, na casa dos R$ 800 milhões.

Leia o decreto na íntegra aqui: DECRETO Nº 1.852, DE 01 DE AGOSTO DE 2023

Leia mais sobre o decreto aqui, em matéria publicada pelo Jornal do Litoral: Plano de Contingenciamento traça contornos reais para crise financeira na prefeitura de Caraguatatuba

O decreto estabeleceu uma série de mudanças no setor financeiro da administração, entre elas as suspensões de doações, patrocínio ou auxílio para instituições públicas e privadas sem fins lucrativos e eventos que demandem contratação de estrutura ou alimentação. Outra medida divulgada é que todas as secretarias iriam “revisar contratos, adaptar valores e serviços, economizar combustíveis, consumo de água, telefone e energia elétrica”, e que uma ‘comissão’ iria se reunir semanalmente pra analisar e tomar decisões sobre as despesas das secretarias. “Esse plano de contingência vai até o dia 31 de outubro, mas pode ser prorrogado”, dizia trecho do decreto.

Na época, o que causou estranheza nas justificativas da drástica medida é que em nenhum local do texto se apresentou em valores reais, o que efetivamente o município deixou de arrecadar de janeiro a julho de 2023, e o que esses valores impactavam no orçamento aprovado pelos vereadores no final do ano passado, ou seja, apenas números lançados sem nada que os sustentasse de forma efetiva, clara e transparente, principalmente qual a previsão de economia para o período de agosto a 31 de outubro (que vence nesta terça-feira), o déficit atual e o resultado esperado de economia para o cumprimento dos compromissos essenciais do exercício fiscal de 2023 em 31 de dezembro.

E como sempre, esses tipos de medidas atingem também uma das partes mais frágeis da máquina administrativa municipal: o servidor efetivo. Segundo o texto do decreto, até o dia 31 de outubro algumas medidas deveriam ser observadas e cumpridas pelos secretários municipais, dentre elas, a suspensão da conversão de parte de férias ou de licença prêmio em pecúnia aos servidores públicos, exceto para pagamento de tributos municipais pelos servidores ou em caso de saúde; suspensão de novas concessões de diárias, indenizações de transporte e/ou adiantamentos para custeio de despesas de alimentação, hospedagem e locomoção, com exceção dos servidores responsáveis pelo transporte de pacientes para tratamento de saúde fora do município e de situações expressa e previamente autorizadas pelo prefeito; suspensão de despesas para participação em congressos, cursos, seminários e eventos similares; e suspensão de autorização e de pagamento de horas extras, exceto para atendimento a serviços públicos essenciais e outros expressamente autorizados pelo prefeito.

O decreto também previa racionalização do consumo de água, energia elétrica, telefonia (fixa e móvel), correios e combustíveis, com meta de redução de 20%; revisão de todos os convênios, termos de colaboração, termos de fomento, contratos de gestão e instrumentos congêneres, com redução de, no mínimo, 10% dos respectivos valores, e reavaliar as licitações e contratações diretas em curso que ainda não tenham sido homologadas ou ratificadas, bem como aquelas ainda a serem instauradas, as quais deverão ser ajustadas às estritas necessidades da demanda da Administração Municipal e à disponibilidade orçamentária e financeira desta, de forma a buscar a efetiva diminuição de despesas.

A pergunta que fica é de que forma a Administração do prefeito Aguilar Júnior realmente pretende agir para o benefício da prefeitura e da população, pois publica um decreto determinando uma série de medidas para se “economizar”, inclusive que as secretarias deveriam revisar contratos com objetivo de “buscar a efetiva diminuição de despesas”, e, ao mesmo tempo, tenta celebrar um contrato com uma empresa com valor de R$ 8,25 milhões a mais que outra, tendo ainda duas empresas com preços R$ 3,5 milhões menores entre a primeira colocada que foi desclassificada, e a quarta colocada, declarada vencedora.

À reportagem da TV Vanguarda, a prefeitura disse que iria recorrer da decisão liminar proferida pelo juiz Walter de Oliveira Júnior.

Veja na íntegra o pedido de liminar e despacho do juiz: DECISÃO LIMINAR

Assista a matéria veiculada na TV Vanguarda neste link: https://globoplay.globo.com/v/12047216/

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