O Ministério Público Federal (MPF) vem atuando para garantir à população de São Sebastião (SP) meios de enfrentar eventos climáticos extremos de maneira segura e preventiva. Há um ano, o município do litoral norte de São Paulo foi o mais castigado por fortes temporais que atingiram a região. Deslizamentos de encostas deixaram 64 mortos e milhares de desabrigados e desalojados. A fiscalização do uso de recursos federais para o atendimento às vítimas é outra preocupação do MPF, que tem trabalhado em conjunto com o Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP) e a Defensoria Pública paulista em defesa dos direitos dos moradores da cidade.
Prevenção
A atuação do MPF concentra-se principalmente em dois procedimentos. Um deles (nº 1.34.033.000182/2023-01) é destinado ao acompanhamento da revisão de dois instrumentos que preveem medidas emergenciais: o Plano de Contingência da Defesa Civil de São Sebastião e o Plano Municipal de Redução de Riscos (PMRR). O MPF monitora o aperfeiçoamento dos mecanismos de detecção de eventos climáticos extremos e de alerta à população sobre sua ocorrência, como sirenes e sistemas que enviam mensagens a telefones celulares.
O procedimento visa também avaliar os treinamentos oferecidos à Defesa Civil e aos próprios habitantes de áreas sob risco, além de verificar como se dá o acionamento das providências necessárias para reduzir os danos em caso de fortes tempestades ou outras situações críticas. O acompanhamento de todas essas ações é feito em parceria com o Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente do Litoral Norte (Gaema) do MPSP.
Apoio federal
Paralelamente, o MPF conduz outro procedimento (nº 1.34.033.000039/2023-19) para acompanhar a adoção de medidas que garantam o direito dos desabrigados à moradia e fiscalizar a aplicação dos recursos que o governo federal repassou ao município logo após a tragédia. Dos valores repassados, R$ 12,5 milhões foram enviados para aquisições e serviços urgentes, como a limpeza de bairros e a compra de cestas básicas, colchões e itens de higiene. Outros R$ 705 mil foram destinados a despesas com o alojamento das famílias.
Uma análise preliminar identificou inconsistências nas respostas que a prefeitura enviou aos questionamentos do MPF sobre o uso dessas quantias. As informações são parcialmente incompatíveis com planilhas apresentadas pelo Ministério da Integração de do Desenvolvimento Regional (MIDR) quanto aos repasses. Além disso, a gestão municipal deixou de justificar o emprego de parte dos valores recebidos. O MPF aguarda que a prefeitura de São Sebastião complemente os dados e esclareça as incongruências para concluir a análise da prestação de contas.
Ao requisitar informações sobre o auxílio federal ao município, o MPF também questionou a prefeitura sobre as razões de não ter buscado a construção de moradias populares para as vítimas do temporal por meio do programa Minha Casa Minha Vida. A administração municipal deverá esclarecer se as unidades construídas em São Sebastião em parceria com a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo (CDHU) são suficientes para atender a todas as famílias atingidas.
Ainda no âmbito desse procedimento, o MPF atuou, no fim de 2023, para evitar que moradores da Vila Sahy fossem removidos do bairro e suas casas, demolidas. A medida havia sido requerida judicialmente pelo governo paulista, que pretendia derrubar quase 900 imóveis por estarem em área de risco. Após reuniões com o MPSP e a Defensoria Pública, o MPF acionou um convênio mantido com a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e viabilizou a participação de engenheiros da instituição de ensino para esclarecer dados técnicos e amparar a Justiça Estadual na decisão sobre o assunto. Dias depois, uma liminar estabeleceu a permanência de boa parte da comunidade. Em janeiro, o governo de São Paulo desistiu da ação.
Outras ações
Não são apenas essas as vertentes de atuação do MPF para assegurar os direitos da população de São Sebastião. Atuações da instituição sobre temas que vão além da tragédia no município também buscam evitar que desastres desse tipo se repitam. Uma delas trata da redefinição das responsabilidades da Petrobras para mitigar e compensar os impactos ambientais da exploração do pré-sal. Entre as medidas em discussão está a criação de fundos voltados a situações de emergência climática como a registrada no litoral norte paulista.
Outra medida que o MPF tem buscado, em parceria com o MPSP, é a revisão do Zoneamento Ecológico-Econômico do Litoral Norte. Originalmente regulamentado em 2004, o documento passou por revisão em 2017 e incorporou mudanças mais permissivas à ocupação do solo em São Sebastião, Ilhabela, Caraguatatuba e Ubatuba. As alterações fomentaram, por exemplo, a concentração urbana em áreas vulneráveis, expondo os moradores a riscos cada vez maiores. Restabelecer regras que tornem a ocupação da região mais segura é o objetivo do MPF e do MPSP nas tratativas mantidas com a Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística do Estado de São Paulo sobre o assunto.
“A certeza científica de que os eventos climáticos extremos aumentarão em frequência e intensidade evidencia a urgência na adoção de medidas que evitem tragédias como a que vivenciamos no litoral norte paulista. Reavaliação das zonas destinadas à ocupação com foco nas áreas de risco, análise de impactos climáticos e cumulativos nos licenciamentos, regularização fundiária, além de medidas de adaptação da população e cidades às novas condições do clima, são providências essenciais para a prevenção e o enfrentamento desses desastres”, afirmou a procuradora da República em Caraguatatuba Maria Rezende Capucci, integrante do Grupo de Trabalho Mudanças Climáticas, do MPF.
“Grande parte das perdas humanas em catástrofes climáticas se deve a omissões históricas do poder público. Vemos isso em São Sebastião também. Sucessivas gestões do município deliberadamente deixaram de implementar as ações preventivas necessárias e fiscalizar a ocupação de áreas de risco. O MPF, o MPSP e a Defensoria Pública de São Paulo têm buscado todas as medidas possíveis para que esse quadro se reverta. Exigir e acompanhar a execução de políticas públicas e ouvir a população são passos fundamentais para garantirmos um dos direitos mais básicos: a moradia digna”, destacou a procuradora da República Walquiria Imamura Picoli, que também atua na região.